• transatlântico

  • Aug 8 2023
  • Length: 4 mins
  • Podcast

  • Summary

  • este é "transatlântico":

    de bruços e de quatro muita coisa foi feita

    (partir depois da meia-noite é um parto antinatural

    quem já ficou até tão tarde não tem razão para ir

    o calabouço que é uma cama vazia

    meu deus)

    eu preferiria mil vezes nunca ter me deitado

    nem ter te dado aquele dedo para chupar

    preferiria que esses lençóis acetinados

    não tivessem experimentado seu suor e seu gozo

    que minhas coxas não conhecessem seu toque

    para que reconhecê-lo não tivesse se tornado um fardo

    de costas e de lado esse mundo foi criado

    o nosso mundo

    quatro paredes e ar rarefeito

    ali está seu peito aberto para que sobre ele eu passe altivo

    um fodido um rascunho limitado de homem

    e ainda assim um homem que te dobra e derrete

    que dança sobre seus ombros feito uma labareda solar

    você tem na barriga o vulto da fome

    mas não a sente

    tem sobre a pele escamas de serpente

    mas não as conquista

    carrega no bico do peito o termômetro do mundo

    mas nunca o usa

    quando falávamos sobre aquele filme

    quando minha mão estava entre suas pernas

    e minha boca engolia suas pequenas mortes

    uma a uma

    ali você deveria ter me deixado

    ali deveria ter me dito

    é aqui que fico

    é por isso que tenho esperado

    é onde me sei inteira que me sinto viva

    e para não me partir eu parto

    eu te amei feito uma besta ancestral

    sim e foda-se

    você me amou como uma montanha a um vale

    um gato à ausência

    uma velha carpideira ao momento em que a morte

    a faz desfiar sua crença

    e nada disso importa

    o tanto que a gente se gosta

    dane-se

    é precisamente o amor o que te ensina

    a se despir de mim para se vestir da pele que é sua

    (uma pele com aquelas escamas de serpente)

    sim,

    eu ainda te levaria à planície do quarto

    chapiscaria as paredes com seu nome

    e onde quer que não me ocupasse de você

    entoaria uma oração ao tempo

    para que minhas horas tivessem de novo o ritmo do seu fôlego

    e onde nos encontrássemos seria ali

    e em nenhum outro lugar

    o eixo do nosso mundo

    a linha imaginária de um trópico de capricórnio

    que cruza com violência uma praia vazia e ensolarada

    no rio de onde você vem

    no rio que te deu a vida desembocam minhas águas

    é onde somos por instantes uma mistura líquida

    até que a física da distância nos dilua num atlântico

    onde nos reencontramos embarcados

    nas nossas vontades

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