Episodes

  • você não
    Nov 29 2023

    você não é um desses poemas confessionais que a gente escreve para exorcizar a figura de alguém, mesmo que o rosto desse alguém seja feito de muitas caras. é também um texto de reencontro, que leva o eu lírico para mais próximo da certeza de que ele se basta.



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    1 min
  • fio de corte
    Nov 15 2023

    fio de corte é um poema inspirado em “tenho quebrado copos”, da ana martins marques, publicado em seu livro das semelhanças. não tão inspirado assim, mas um pouco… especialmente a frase de abertura, que espelha a declaração inicial de ana em seu poema.

    espero que você curta e que compartilhe com as pessoas de quem você gosta, me ajudando a fazer o podcast crescer :)

    estou cansado de amolar facas

    apontar o gume para o pescoço

    ameaçar a garganta para que nenhuma palavra saia

    cansado de esmurrar pontas e portas

    me comporto no mundo com uma violência antiga

    os músculos me bebem a vida

    meu queixo é uma taça angulada

    queria transbordar afogar as narinas

    abafar os ouvidos com água

    sou uma mera pedra de amolar espadas

    esmerilho meu rosto nas ruas entre a meia noite e as seis

    de testemunha: nada, um cão, a lua

    a carta nove do baralho de adivinhar coisas

    (chamar as coisas pelo nome às vezes traz muito azar

    meu nome verdadeiro guardo em perfeito silêncio)

    há um fino risco se formando entre minhas têmporas

    a pedra angular da qual é feito um homem

    é o abandono da delicadeza

    qualquer lâmina seria capaz de nos matar

    estou cansado de amolar facas

    às vezes faço da minha pele um fio de corte



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    2 mins
  • maio
    Nov 9 2023

    recentemente migrei meu podcast para o substack. antes, ele era hospedado pelo spotify. manter meus textos e áudios sob o mesmo teto vai facilitar muito minha vida, permitindo que eu grave episódios com mais frequência. então, se prepare para o que está por vir :)

    para dar início, estou te enviando hoje maio, um de dois poemas que escrevi abordando o desejo e, mais do que isso, as dificuldades do desejo. esses dois textos foram feitos para a mesma personagem.

    maio é um poema pelo qual tenho grande carinho, devido às circunstâncias que o inspiraram e as referências que carrega. foi escrito quando eu terminava de ler paixão simples e o jovem da annie ernaux (motivo pelo qual há uma referência a “maio de 68” aqui).

    como o envio de episódios de podcasts por email ainda é algo novo para mim, responda abaixo o que acha da ideia e me ajude a evoluir esse formato. quero fazer algo que faça sentido para mim e para você :)

    você me diz que ninguém nunca prestou atenção na sua fome eu te respondo com a mão sobre o ventre: eu te devoraria, mas não o alimento aos outros só sei dar meus restos assumo uma postura altiva e esguia estamos numa dança embora não pareça (uma dança é uma repetição de pés mas aqui pisamos tudo pela primeira vez) é maio de 1968 a vida é um massacre é manhã de abril no brasil de 64 e ainda é possível ser feliz por mais um minuto certas vezes tenho vontade de te contar sobre o que não amo de te apresentar um diário não do que odeio mas do que nunca cheguei a gostar muitas vezes gostaria de escrever seu nome ali mas faltam páginas reguei a terra com seu suor para que eros pudesse renascer como uma flor certas flores são comestíveis nos diz este documentário na tv algumas delas com a boca o alimento da vida são outras vidas você ainda tem fome e entende que estar satisfeito é uma dádiva sim, talvez mas é também uma maldição para aquilo que se come é aqui que fica claro o que quero eu te devoraria para te dar assim a chance de me dar o troco ao se lembrar de mim e amaldiçoar meu nome



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    2 mins
  • transatlântico
    Aug 8 2023

    este é "transatlântico":

    de bruços e de quatro muita coisa foi feita

    (partir depois da meia-noite é um parto antinatural

    quem já ficou até tão tarde não tem razão para ir

    o calabouço que é uma cama vazia

    meu deus)

    eu preferiria mil vezes nunca ter me deitado

    nem ter te dado aquele dedo para chupar

    preferiria que esses lençóis acetinados

    não tivessem experimentado seu suor e seu gozo

    que minhas coxas não conhecessem seu toque

    para que reconhecê-lo não tivesse se tornado um fardo

    de costas e de lado esse mundo foi criado

    o nosso mundo

    quatro paredes e ar rarefeito

    ali está seu peito aberto para que sobre ele eu passe altivo

    um fodido um rascunho limitado de homem

    e ainda assim um homem que te dobra e derrete

    que dança sobre seus ombros feito uma labareda solar

    você tem na barriga o vulto da fome

    mas não a sente

    tem sobre a pele escamas de serpente

    mas não as conquista

    carrega no bico do peito o termômetro do mundo

    mas nunca o usa

    quando falávamos sobre aquele filme

    quando minha mão estava entre suas pernas

    e minha boca engolia suas pequenas mortes

    uma a uma

    ali você deveria ter me deixado

    ali deveria ter me dito

    é aqui que fico

    é por isso que tenho esperado

    é onde me sei inteira que me sinto viva

    e para não me partir eu parto

    eu te amei feito uma besta ancestral

    sim e foda-se

    você me amou como uma montanha a um vale

    um gato à ausência

    uma velha carpideira ao momento em que a morte

    a faz desfiar sua crença

    e nada disso importa

    o tanto que a gente se gosta

    dane-se

    é precisamente o amor o que te ensina

    a se despir de mim para se vestir da pele que é sua

    (uma pele com aquelas escamas de serpente)

    sim,

    eu ainda te levaria à planície do quarto

    chapiscaria as paredes com seu nome

    e onde quer que não me ocupasse de você

    entoaria uma oração ao tempo

    para que minhas horas tivessem de novo o ritmo do seu fôlego

    e onde nos encontrássemos seria ali

    e em nenhum outro lugar

    o eixo do nosso mundo

    a linha imaginária de um trópico de capricórnio

    que cruza com violência uma praia vazia e ensolarada

    no rio de onde você vem

    no rio que te deu a vida desembocam minhas águas

    é onde somos por instantes uma mistura líquida

    até que a física da distância nos dilua num atlântico

    onde nos reencontramos embarcados

    nas nossas vontades

    --- Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/poesiaquasetododia/message



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    4 mins
  • dois corpos
    May 29 2023

    este é "dois corpos", um poema sobre a ambiguidade de estar vivo:

    tenho dois corpos:

    um falso, um verdadeiro;

    tenho dois corpos e

    nenhum deles inteiro

    metade de mim é pura mentira:

    o passado, a infância, a mãe;

    metade de mim, tudo verdade:

    o futuro, a velhice, o irmão;

    e há ainda uma terceira metade

    nessa conta tão equivocada

    onde a soma sabe-se menos que nada

    e o dividendo é a fração de um pai

    tenho dois corpos:

    um físico que não quantifico

    outro sujeito à gravidade da lei

    tenho dois corpos:

    um desenhado na areia

    outro entalhado no barro

    tenho dois corpos:

    um que se sabe nomear muito bem

    outro que ainda me pergunta

    qual é mesmo o nome que tem

    --- Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/poesiaquasetododia/message



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    2 mins
  • se não escrevo, não estou vivo
    May 26 2023

    este é "se não escrevo, não estou vivo", um poema sobre escrever e fazer-se vivo:

    se não escrevo não estou vivo

    um dia hei de ser feliz de novo

    se não escrevo se não dobro a caneta

    se o lápis não me é na mão

    um pedaço pré-histórico de magma

    não estou vivo não respiro

    e como consequência surge no olho o vermelho do sangue

    onde não há sangue não há vermelho

    nas terras em que brincávamos achávamos sangue no chão

    na cor do barro no solo úmido

    por onde passavam tratores amarelos

    com dentes escavando escavando escavando

    até que do mundo só se visse o osso

    enterrado como raiz de montanha

    a montanha é o primeiro parágrafo de deus

    onde começa a história e jaz a sombra do primeiro homem

    queria uma caneta capaz de reescrever o gênesis

    onde me mataria como um irmão mata a um irmão

    por inveja da carne e ojeriza à rejeição

    pela saudade de um amor filial que ainda não se foi

    hei sim de ser feliz como antes

    como quando a noite ainda não tinha se dividido em duas

    e o dia era menos que uma ideia

    como quando a vida era pergunta:

    “e se houvesse algo tão belo

    cuja mera ideia de perdê-lo

    o fizesse partir?”

    --- Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/poesiaquasetododia/message



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    3 mins
  • serpentário
    May 25 2023

    este é "serpentário", um poema sobre um tipo de azar que não é tanto azar assim:

    sou protegido pelos deuses das más escolhas

    (meu ascendente é o fundo infinito

    deste copo repleto do mais líquido veneno

    destilado em escorpião, encomendado por vênus

    que escorre suave pela mão esquerda

    enquanto o ferrão preso ao antebraço

    fratura a hidráulica das veias

    se houvesse nos signos o eixo do erro

    passaria por mim, sol em serpentário

    lua deslocada de órbita e trazida ao chão

    saturno cruzando tristes trópicos

    que cortam estrelas ao meio e as explodem

    em mil deuses das más escolhas)

    deuses que me escolhem você

    --- Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/poesiaquasetododia/message



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    2 mins
  • anêmonas me cultivariam se pudessem
    May 24 2023

    este é "anêmonas me cultivariam se pudessem?", um poema sobre... eu não faço ideia.

    anêmonas me cultivariam se pudessem

    no leito arenoso do mar

    onde a luz ainda lambe a areia

    me dariam na boca seu veneno

    me ensinariam que todo veneno é uma pequena morte

    e que a dor do ácido e do choque na pele

    não cabe em caixas longa-vida

    nenhuma vida é longa o bastante

    e tudo é inconsequentemente breve

    uma vez vi uma senhora atravessar a rua

    e desaparecer nas fendas da calçada

    muitas vezes passei menos dias sóbrio

    do que há listras numa faixa de pedestres

    (eu não descartaria a possibilidade

    de um dia me pavimentar feito calçada

    eu jamais negaria a vontade

    de engolir tudo o que passa por mim)

    desejo que você entenda que

    certas limitações não podem ser superadas

    que no centro o que há de mais histórico ainda é a beleza do abandono

    que prédios são as unhas de uma cidade

    e entre seus andares ando pensando em muita coisa:

    no fato de alguns bem-te-vis nunca terem me visto

    no que sente um arco-íris ao se deparar

    com a ausência de carros coloridos nas ruas

    no buraco que sempre me surge no peito nesta época do ano

    se fosse o oceano a minha casa

    eu daria a quem pedisse todos os navios naufragados no meu quintal

    eu seria tantas ilhas quanto precisassem

    eu deixaria qualquer um ancorar nos portos que construíram em mim

    e quando chegasse o último pôr do sol de um ano tão difícil

    os convidaria a assistir a luz queimar as minhas águas

    enquanto me mantenho alheio aos gestos do fim e do recomeço

    enquanto me recomponho para a chegada da próxima lua cheia

    a única coisa que pode transformar em revoltas

    as águas calmas da minha desistência de tudo

    eu desistiria de tudo mais uma vez

    eu alimentaria esperanças sem pestanejar

    feito faziam os servos feudais eu araria campos emprestados

    para que anêmonas me cultivassem se pudessem

    --- Send in a voice message: https://podcasters.spotify.com/pod/show/poesiaquasetododia/message



    This is a public episode. If you would like to discuss this with other subscribers or get access to bonus episodes, visit newsletter.eduardofurbino.com
    Show more Show less
    4 mins